Reforma e contrarreforma das leis do trabalho

Luiz Carlos Amorim Robortella, sócio de Robortella e Peres Advogados, Presidente da Academia Brasileira de Direito do Trabalho

Qualquer mudança na legislação trabalhista enfrenta oposição. A reforma de 2017 é controvertida nos meios judiciais, sociais e políticos. Há movimentos de “contrarreforma”, apesar de suas muitas virtudes e poucos defeitos. Os críticos da reforma não parecem perceber que a realidade se revoltou contra a lei. Temos cerca de 12 milhões de desempregados e 35 milhões de informais e desalentados. O gravíssimo problema do mercado informal é fruto da radical diferença de proteção entre empregados, que têm tudo, e os demais trabalhadores, que nada têm, vagueando como exilados no próprio país.

Embora não seja a causa única, a acumulação progressiva de direitos pelos empregados formais, através de leis e decisões judiciais, contribui para a exclusão. As reformas liberais de países europeus (a Espanha é exceção recente) e latino-americanos vêm promovendo mudanças profundas ao ampliar os poderes patronais, diminuir o protecionismo para empregados, favorecer negociação direta nas empresas e conceder direitos mínimos a excluídos.

A pandemia do coronavírus potencializou esse movimento expansivo. Muitos governos adotaram medidas emergenciais indispensáveis para garantir renda a quaisquer trabalhadores, empregados ou não. A tendência do que se poderia chamar “direito do mercado de trabalho” é redistribuir a proteção clássica, ou seja, flexibilizar certas proteções exclusivas de empregados e criar direitos mínimos para os demais trabalhadores, a fim de reduzir a informalidade. Até porque, com as novas tecnologias, os empregados são mais autônomos e os autônomos mais dependentes. Temos deslocalização, teletrabalho, microempresas, e-commerce, plataformas digitais, empresa líquida (não se sabe quem recebe o serviço) etc. O tomador utiliza o trabalho apenas onde e quando necessário.

O padrão ESG (environment, social and governance) adotado por muitas empresas em seus códigos de conduta institui um capitalismo de “stakeholders”, criando valor para investidores, empregados, fornecedores de serviços, consumidores e sociedade. A questão social do nosso tempo não é mais capital e trabalho, mas sim exclusão e inclusão. A geração de trabalho não é problema só da empresa, mas também do Estado, dos sindicatos e da sociedade. De nada vale normas generosas que caem no vazio, desajustadas do mundo real. A lei deve ser justa, eficaz e válida.

Não há lugar para as utopias que marcaram e ainda marcam os códigos do trabalho. A empresa deve contribuir para o desenvolvimento econômico e social, dar lucro, respeitar consumidores e meio ambiente, e, principalmente, gerar renda para os trabalhadores. A legislação trabalhista é instrumento para conciliar interesses divergentes: o investidor quer maior retorno, o consumidor o menor preço e o trabalhador a mais alta remuneração. Precisamos de sindicatos livres, legítimos e fortes para todos os trabalhadores (inclusive de plataformas), patrões e até consumidores, o que exige reforma constitucional.

A reforma de 2017 trouxe resultados positivos (trabalho intermitente, teletrabalho, negociação individual e coletiva, terceirização responsável, por exemplo). Mediante leis eficazes, códigos de conduta empresariais e negociação sindical podemos ampliar a rede de proteção. Nosso desafio, em tempos de pandemia, crise da globalização, guerra e crise econômica, é criar ambiente jurídico-social que permita a construção de um “workfare state”.

Publicado no ESTADÃO.

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