Extinção da empresa e dispensa coletiva: Controvérsias

A extinção de empresa implica a extinção de todos os contratos individuais de trabalho. Entretanto, há o risco de ser tratada como dispensa coletiva, cujos procedimentos são bastante controvertidos1.

A lei 13.467/17 reduziu a insegurança jurídica com a nova e bastante criticada redação do art. 477-A:

“Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação.”

Ainda não há pronunciamento definitivo do STF sobre a constitucionalidade dessa norma, mas a repercussão geral foi reconhecida no RE 999.435, tema 638.

Segundo a súmula 173 do TST2, a extinção da empresa provoca a extinção automática dos contratos de trabalho.

Juridicamente há diferenças sensíveis entre a extinção da empresa e a mera dispensa coletiva sem justa causa porque, a rigor, os empregados não estão sendo despedidos.

A rescisão é consequência necessária e direta da extinção da unidade empresarial, não se tratando de dispensa coletiva.

A lei 8.036/90 trata de forma separada as duas hipóteses de terminação do contrato, prevendo no art. 20 levantamento do FGTS quando há falecimento, aposentadoria, “extinção da empresa” e “fechamento de ‘quaisquer de seus estabelecimentos, filiais ou agências'”.

Nos termos dessa lei (art. 18) e de seu regulamento (decreto 99.684/90), só cabe indenização de 40% sobre os depósitos do FGTS na dispensa sem justa causa ou na rescisão indireta, o que exclui a extinção da empresa.

A instrução normativa 144/018, da MTE – Secretaria de Inspeção do Trabalho, ao cuidar da fiscalização do trabalho, alude à indenização de 40% nos casos de despedida sem justa causa, rescisão indireta, rescisão pelo empregador de contrato a termo, culpa recíproca, acordo ou força maior (art. 13, caput e § 2º).

Em suma, por interpretação literal e sistemática do nosso ordenamento jurídico não há confundir dispensa coletiva com extinção da empresa ou estabelecimento.

A matéria é pouco versada em doutrina, mas autores respeitáveis não fazem essa distinção3, o mesmo ocorrendo na jurisprudência:

À vista do princípio da alteridade, não pode o trabalhador ser prejudicado pelo encerramento da atividade empresarial. Dessa forma, a terminação do vínculo empregatício em virtude da extinção da empresa tem o mesmo tratamento jurídico da dispensa sem justa causa. Aplicação do art. 2º, caput, da CLT. Inteligência da Súmula 44 do TST. Recurso obreiro parcialmente provido. (TRT 06ª R. – RO 0001761-39.2015.5.06.0005 – Relª Gisane Barbosa de Araujo – DJe 10.08.2018 – p. 1500)

EXTINÇÃO DA EMPRESA – RESCISÃO DO CONTRATO SEM JUSTA CAUSA – VERBAS RESCISÓRIAS DEVIDAS – A extinção da empresa, com a consequente cessação da prestação de serviços, equivale à dispensa sem justa causa, conferindo ao empregado direito às verbas rescisórias decorrentes da dispensa imotivada. Recurso da reclamante a que se dá provimento, no particular. (TRT 09ª R. – RO 123-73.2013.5.09.0872 – Rel. Benedito Xavier da Silva – DJe 11.10.2013 – p. 406)

Outro tema é o desaparecimento, quando há extinção da empresa, das garantias de emprego e estabilidades de representantes da CIPA e dirigentes sindicais.

Quanto aos dirigentes sindicais, a jurisprudência assegura a manutenção da estabilidade somente se houver outro estabelecimento na mesma base territorial do sindicato a que estiver vinculado, hipótese em que tem direito à transferência, como se extrai das súmulas do TST.

“Nº 339 – CIPA. SUPLENTE. GARANTIA DE EMPREGO. CF/1988.
(…)
II – A estabilidade provisória do cipeiro não constitui vantagem pessoal, mas garantia para as atividades dos membros da CIPA, que somente tem razão de ser quando em atividade a empresa. Extinto o estabelecimento, não se verifica a despedida arbitrária, sendo impossível a reintegração e indevida a indenização do período estabilitário.”

“Nº 369 – DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE PROVISÓRIA.
(…)
IV – Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade.”

Entretanto, quando a garantia de emprego configura vantagem individual ou social (gestante, acidentado, contratual etc.), prevalece na jurisprudência a conversão em indenização, por aplicação analógica dos arts. 118 da lei 8213/91, 498 da CLT e OJ 230 da SDI-1.

Em qualquer caso é sempre devido o aviso prévio, nos termos da súmula 44 do TST4.

Nos contratos suspensos não há viabilidade de despedir sem justa causa, como se dá no acidente ou doença profissional, mas acórdãos recentes tratam diferentemente a extinção da empresa:

“PLANO DE SAÚDE – AUXÍLIO DOENÇA – EXTINÇÃO DA EMPRESA – Com efeito, havendo a total extinção da empresa, os contratos de trabalho suspensos em razão da percepção de auxílio-doença também são extintos; Em face da impossibilidade da continuidade do vínculo de emprego. Desta forma, não se mantém a continuidade do plano de saúde.” (TRT 01ª R. – RO 0102120-09.2019.5.01.0421 – 9ª T. – Rel. Celio Juacaba Cavalcante – J. 04.03.2021)

“EXTINÇÃO DA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE DE MANUNTENÇÃO DOS CONTRATOS DE TRABALHO – A extinção das atividades da empresa afeta todos os contratos vigentes, inclusive aqueles suspensos. Portanto, estando o contrato de trabalho do obreiro nesta situação ele sofre a mesma sorte.” (TRT 03ª R. – RO 0010579-72.2019.5.03.0150 – 7ª T. – Rel. Paulo Roberto de Castro – J. 12.11.2020)

“SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO – DISPENSA DE EMPREGADO DOENTE – NULIDADE DA RUPTURA CONTRATUAL – Pela inteligência do art. 476 da CLT, tem-se por suspenso o contrato de trabalho no período em que o empregado estiver doente, recebendo auxílio-doença ou auxílio-doença acidentário, sendo nula a dispensa nesse interregno, salvo nos casos de pedido de demissão, justa causa, fraude e extinção da empresa.” (TRT 18ª R. – RO 0010801-34.2014.5.18.0009 – Rel. Eugenio Jose Cesario Rosa – DJe 08.12.2016 – p. 398)

Como deflui destas considerações, há riscos na extinção da empresa que aconselham, quando possível, a negociação coletiva de um programa social para disciplinar o desligamento em massa, acertando com o sindicato os vários aspectos jurídicos, econômicos e sociais.

Na hipótese de recusa à negociação pela entidade sindical, cabe a alternativa do art. 617, § 1º, da CLT, ou seja, negociação direta com os empregados.

O acordo coletivo sempre reduz o risco de questionamento judicial.

A depender das contrapartidas, a empresa extinta pode negociar quitações individuais, instituindo uma transação dúplice, ou seja, coletivamente com o sindicato e individualmente com os trabalhadores.

Em tempos de crise e fechamento de empresas este assunto é atual e palpitante.


1. A propósito do tema, nossa coluna de 24.01.2022. Disponível aqui.

2. 173 – SALÁRIO. EMPRESA. CESSAÇÃO DE ATIVIDADES
Extinto, automaticamente, o vínculo empregatício com a cessação das atividades da empresa, os salários só são devidos até a data da extinção. Ex-prejulgado 53.

3. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. S. Paulo: Atlas, 2010. p. 400.

4. 44 – AVISO PRÉVIO
A cessação da atividade da empresa, com o pagamento da indenização, simples ou em dobro, não exclui, por si só, o direito do empregado ao aviso prévio.

Publicado no Migalhas.

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